terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Grazie Luigi

Luigi sempre foi um menino diferente. Na aldeia todos notavam. Todos comentavam. Não jogava futebol com os outros meninos porque achava que era um jogo de brutos, nem à macaca com as meninas porque as achava umas “cabeça no ar”. As suas únicas companhias de brincadeira eram um lápis e uma afiadeira, que todos achavam ainda mais estranho, dado que nunca o viram com um pedaço de papel na mão. Na aldeia de Sotão, os meninos da escola, iguais a todos os outros não o percebiam, e com a crueldade da idade, lançavam no ar, setas que lhe iam direitas ao coração. Logo uma menina saía em sua defesa alertando os meninos da turma que Luigi não era nada do que lhe chamavam. Era apenas “especial”. Luigi passeava, sozinho claro, por todos os carreiros da redondezas, tentando achar respostas para o que o teria feito nascer “especial”, tão diferente dos outros, tão superior, tão imensamente dotado de uma percentagem de inteligência infinitamente maior do que a de outro qualquer mortal.
Os anos passaram e Luigi começou a achar Sotão pequeno demais para ele. Estava na hora de alargar horizontes. Vou começar a escrever. Se todos me tratam mal, vou começar a falar mal de todos, pensou ele. Pensou não. Fez um exercicio complexo, aliando a filosofia com a metafisica, dando pelo meio uns toques de retórica e de utopia, que isso de simplesmente pensar não era para ele. De todos que não o percebiam e compreendiam, depressa se juntaram uns outros tantos que, da outra ponta da aldeia o começaram a ver também como uma pessoa “especial”. Só que do outro lado da aldeia já não estava a menina que o defendia e, num ápice, esse “animais”, esses iletrados, ignorantes e tudo o resto que Luigi lhes tinha decidido chamar, decidiram escrever também.E foi aí que a vida de Luigi mudou, depois de ouvir todos os mimos com que o brindaram, desde f…da p…. a porc….do car…., de cabr….mal formado a impoten…armado em fodilh…., decidiu que o único sitio onde estaria bem e em paz, seria numa ilha.
Na ilha, encontrou a paz e a liberdade de escrever. De dar a cara. Entretanto, algo de inesperado aconteceu. Um Tsunami varreu a aldeia de Luigi e as mentalidades mudaram. Talvez sensibilizados pela tragédia que lhes bateu à porta, mesmo os que não o conheciam bem e que antes o tratavam mal, tornaram-se os melhores amigos, confidentes e mensageiros de toda a (des)informação que trouxesse alguma paz de espírito a Luigi. Luigi continuava a sua luta na busca de respostas sobre a sua superiodidade. Vagueando, escrevendo, fazendo aviõezinhos de papel, enfim, sonhando. Os sonhos iam longe, para lá mesmo dos calhaus. Criou, como se de um comum mortal se tratasse, de arranjar amigos imaginários, colegas de copos e da noite que era sempre de solidão. Para esses amigos, arranjou mesmo, mulheres voluptuosas que os servissem ao balcão, entre tremoços e vinho. Num assomo de humildade adoptou mesmo uma pequena cadela rafeira, a quem carinhosamente deu o nome de Cachaça. Sempre inquieto por novidades e na constante procura da sua identidade é num dia de chuva, em plena floresta Laurissilva, que lhe vem à memória a sua juventude e a sua 1ª experiência. O seu olhar, fixo no horizonte recua meia dúzia de anos. Na sua memória, um exemplar de uma revista que ainda hoje traz consigo. Na capa, um nome de mulher. Sim, Gina, essa mulher que o ajudou no dia em que, num carreiro mais estreito se deparou com um belo exemplar……caprino.  E foi ali, no Ribeiro Frio, ausente de tudo e de todos, que ao seu ouvido e surgindo na penumbra se soltou um inusitado: béééééeéée´. Os olhos de Luigi brilharam.
De regresso a casa, era uma noite de suores frios que aguardava por Luigi. Pesadelos constantes em que hastes cresciam ao mesmo ritmo das suas dioptrias, amigos que o abandonavam, inimigos que lhe batiam nas costas, bebâdos que lhe pediam perdão por tudo, meretrizes que lhe pediam para ser apenas ele. E foi aí que acordou. Ao seu lado, na cama, aquela que sempre o acompanhou, aquela que o fazia sorrir, aquela que o fazia tremer até ao âmago. Sim, Gina, essa mulher.


E pronto, é esta a pequena história de Luigi, esse rapaz “especial”, mas no fim de contas, apenas um rapaz amargurado pelas agruras e rasteiras que a vida lhe pregou. Rapaz humilde, controverso.Rapaz à procura de uma identidade que tarda e teima em aparecer.

Quando aparecer terá à sua espera na adega, uma caneca como ele. Uma caneca “especial”.

2 comentários:

António Luís disse...

Caríssimo "Zé do Pipo"!

Agradeço o simpático texto que me dedica. Julgo não merecer tanto!

Tenho apenas duas notas a fazer:
1 - Não era uma cabra, era uma ovelha e o nome dela era Mabília!
2 - A fotografia que coloca no fundo do seu texto favorece-me bastante!

Cumprimentos.

Zé do Pipo disse...

Caríssimo A. Luís !

Não sei onde foi buscar a ideia que o texto é dedicado a si.

Quanto às notas também lhe deixo duas:

1 - Prezo a sua coragem de assumir publicamente a sua "aventura" ovina, mas não era necessário "denunciar" aqui a identidade do espécimen.

2 - Quanto à fotografia, tenho a certeza que a Mabília passou uns bons momentos consigo de qualquer forma.

Abraço